segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Entrevista pt.2


Entrevista pt. 2



Continuação da entrevista.

Entrevista pt.1

Entrevista pt. 1



Entrevista do aluno Cícero (à direita)  com seu amigo Flávio (à esquerda) sobre sua opção sexual, os preconceitos/as dificuldades enfrentadas, a exclusão social, a linguagem dos homossexuais, a "evolução" sobre o fato no Brasil, as maneiras de lidar com a situação, o envolvimento da religião/igreja e a "cura" que eles propõem, relacionamento pessoal e com a sociedade em que vive, o questionamento se o amor existe, agressões verbais e físicas, gírias, emprego/profissão e cultura.
"A verdade liberta"

terça-feira, 9 de outubro de 2012

SER OU NÃO SER? OS GAYS EM QUESTÃO: UMA LEITURA ANTROPOLÓGICA DAS GÍRIAS UTILIZADAS


SER OU NÃO SER? OS GAYS EM QUESTÃO: UMA LEITURA ANTROPOLÓGICA 
DAS GÍRIAS UTILIZADAS PELOS HOMOSSEXUAIS DE BELÉM-PA¹

Mílton Ribeiro da Silva Filho 
Sandra Pereira Palheta
Universidade Federal do Pará

RESUMO: Estudo da construção da identidade gay através da análise das gírias amplamente utilizadas pelos homossexuais: o bajubá. Formulou-se o trabalho a partir de entrevistas não estruturadas e observação participante a fim de acompanhar a dinâmica dos grupos gays, sua forma de sociabilidade e a utilização do bajubá. O estabelecimento da conexão entre as referências simbólicas e a realidade gay foi o ponto de partida para construção teórica do trabalho, pois a partir desta relação constatou-se que as gírias fazem parte do rito de passagem para inclusão no “universo gay”; além do relacionamento entre a criação das mesmas e a inserção de alguns componentes lingüísticos dos ritos afro-brasileiros. As gírias demonstram a marginalização que se propõem os que delas tomam partido, entretanto, elas passam a fazer parte do cotidiano heteronormativo; sendo que os formuladores de tais gírias modificam dialeticamente o contexto quando isso acontece. Os resultados da inserção a campo dimensionam quanto o grupo ainda é mantido à margem da sociedade belenense, mesmo com políticas  públicas e manifestações de ações afirmativas que possibilitariam um maior reconhecimento por parte do mundo heterossexual. 

Palavras-chave: Identidade. Homossexualidade. Gírias.


INTRODUÇÃO 

(...)

 A socialização nos centros urbanos permite que diversos agrupamentos compartilhem suas práticas e viveres, que estudadas a partir do estabelecimento de uma comunicação verbal apresentada em seu seio, principalmente entre os homossexuais, estabelece referências ímpares para o desenvolvimento deste trabalho.  

 Dentro dessa lógica pautadamente heterosexista os  indivíduos que demonstram condutas homossexuais acabam por serem segregados e passam a ficar à margem dos processos decisórios do meio político-social, devido ao estigma social, que lhes é atribuído: os indivíduos GLTTB acabam sendo incluídos neste ciclo de estigmatizações, pois são educados a partir de uma conduta heterossexual e ficam sujeitos aos confrontos de âmbito social e pessoal ao terem sua orientação sexual contestada pela sociedade. Desses conflitos nascem às formas de identificação perante o meio social e o confronto com o mundo heteronormativo, haja vista as piadas machistas e sexistas que o indivíduo GLTTB ouve durante sua trajetória pessoal de vida. Como resultado desse atrito, os mesmos insurgem-se como sujeitos de ação: na criação de movimentos organizados, com o qual possam militar em busca de políticas públicas.

Numa consulta ao mini-dicionário Aurélio a definição de “gíria” aparece em sua segunda acepção como: linguagem que, nascida em certo grupo social, termina estendendo-se à linguagem familiar. E é a partir dessa concepção  do que venha a ser “gíria” que vamos desenvolver este trabalho, mesclando-a com a maneira como os homossexuais encaram, vivenciam e concebem a palavra.


Na etnografia realizada na cidade de Belém a gíria utilizada pelos homossexuais serve para identificá-los enquanto “atores sociais” nesta que pautada pela mentalidade heteronormatizadora, discrimina e segrega as minorias de gênero. Entretanto, alguns termos do bajubá² postos adiante servirão para distinguir os indivíduos GLTTB dos que não fazem parte do mundo homossexual, ou seja, a maioria heterossexual. E neste universo marcado pelo simbolismo, principalmente no tocante à sexualidade, as gírias mostram-se como fator determinante na diferenciação entre gays e “não-gays”.

(...)


O conhecimento e domínio dos símbolos urbanos, no âmbito da linguagem e da língua brasileira, fazem com que as gírias tornem-se familiares a diversas camadas da sociedade. Atribuídas e consideradas elemento dos agrupamentos urbanos, geralmente compostos por jovens e adolescentes, elas podem aglutinar uma série de elementos fonéticos e semânticos, e possibilitar a sociabilidade entre os que detêm seu domínio.

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A ENTRADA NUM CAMPO DIFERENTE E A DESCOBERTA DO BAJUBÁ

(...)


O estranhamento com que o movimento homossexual de  Belém teve que ser tratado, neste trabalho, foi de suma importância para construir-se teoricamente o mesmo, pois alguns termos do bajubá passaram a fazer parte do “mundo hetero” e são utilizadas como se não tivessem nascido no “mundo homo”. E estudar as gírias urbanas, na cidade, exigiu um imenso esforço teórico-metodológico, pois afastar-se do que faz parte do dia-a-dia exige um intenso trabalho, pois

um dos traços mais marcantes da formação do antropólogo é a experiência do 
trabalho de campo, rito de iniciação indispensável  para ser aceito na comunidade 
acadêmica. Durante este período de tempo, o candidato a antropólogo deveria 
separar-se do mundo [...] e viver com o grupo pesquisado, procurando compreender 
sua língua, suas formas de organização econômica, social e política, seu sistema de 
representações, etc. (OLIVEN, 2007, p. 13)

Para Clifford Geertz (1980) o “homem é um animal que consegue fabricar ferramentas, falar e criar símbolos”, no caso do presente trabalho, a gíria aparece como ferramenta de identificação do gay no meio social, pois “ele converte-se agora, já não só no produtor de cultura, mas também [...], no seu produto” (GEERTZ, 1980, p. 28). Segundo o autor o homem assume uma capacidade de criação e utilização simbólica inerente: teoria que servirá para compreensão do que venha a ser símbolo para o entendimento humano. 

O  bajubá para os gays assume um caráter simbólico, uma vez  que tem como objetivo a maneira de demonstrar-se, de assumir sua condição de homossexual, de vender-se³ para os outros, de possibilitar uma possível troca simbólica (BOURDIEU, 2002). Ou “de proteger [...] em determinadas situações de perigo, [...] ou quando iriam fazer alguma coisa” (SOUZA, 1998, p. 231). Como corroborou um dos entrevistados: “É frescura, é uma maneira de se destacar!” e, ainda, “[a gente] fala [as gírias] pras ‘mapôs’ (mulheres) não entenderem”. 

A maneira organizacional dos grupos gays remete-nos a idéia de communitas, que Roberto DaMatta (1997b) nos referencia, uma vez que não existe uma estratificação entre os homossexuais, como podê-se evidenciar através de observação. Porém, numa tentativa de se criar uma hierarquia, à medida que não existem gays “menos gays” que outros, eles classificam-se de muitas maneiras, algumas das quais dispostas no quadro abaixo.  

Este sistema classificatório serve para demonstrar  a “forma particular de dominação simbólica de que são vítimas os homossexuais” (BOURDIEU, 2007), haja vista necessidade dupla de se auto-afirmação: a primeira  ante si mesmo e a segunda perante o grupo.


No trabalho de campo verificou-se certo desconforto,  a priori, quando da abordagem especificamente sobre gírias. Primeiro porque se compreende que as mesmas fazem parte de um contexto marginalizado (construção negativa), ou seja, são usadas por bandidos e malandros; segundo porque a comunidade homossexual não dissocia suas falas estruturadas, a partir de gírias, com a da linguagem usada pelo resto da sociedade; e terceiro porque as gírias gays possuem um nome, o bajubá. 

Quando da leitura de um pequeno artigo em revista de circulação nacional (cf. CORDEIRO, 2007, p. 36) onde se pretendia associar aos gays um sotaque próprio, com pronuncia de fonemas de maneira distinta dos heterossexuais, encaramos a questão a partir da análise de que os mesmos não possuem um sotaque próprio, mas uma gíria própria, identificada e decodificada somente por quem faz parte do “universo gay”. Porém, é necessário ressaltar que durante a pesquisa de campo encontramos entre os seis pesquisados somente um que dizia não utilizar o bajubá, por achar que sua utilização depreciava a imagem homossexual, no entanto ele reconhecia uma grande variedade de termos do bajubá, contribuindo, também, para confecção dos quadros do presente artigo.

(...)

O BAJUBÁ AJUDANDO A CONSTRUIR UMA IDENTIDADE GAY?

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Neste trabalho o bajubá apareceu como um dos elementos essenciais na construção da identidade gay, pois ao utilizá-lo o homossexual consegue socializar-se quase que de forma integral. E “hoje vários termos do  bajubá são muito utilizados entre os homossexuais de uma forma geral e entre várias pessoas que convivem no meio” (SOUZA, 1998, p. 231). E mesmo que não seja gay, quem os utiliza passa a fazer parte do “mundo gay” ou passa a ser referência, pelo menos no aspecto comercial, visto que é encarado como “S” na sigla que corresponde ao mercado homossexual, o famigerado GLS, ou seja, passa a ser simpatizante da
causa (SANTOS, 2005).  

O bajubá toma forma nas expressões criadas pelos homossexuais a partir de sua inserção nos ritos afro-brasileiros, pois alguns sustentam e começam o processo de construção identitária quando se tornam adeptos dos cultos afros. Peter Fry (1982) em sua pesquisa de campo em Belém, na década de 80, notou a freqüência com que os homossexuais se aproximavam e participavam dos rituais do candomblé e umbanda.

Contudo, isso nos leva a crer que a aproximação dos homossexuais como esses cultos religiosos propiciam o conhecimento de algumas expressões das línguas de matrizes africanas das quais se apropriam, transformando-as, e divulgando-as para o resto da comunidade. Considerando que outros termos nasçam de línguas distintas da africana, como a francesa, nos faz supor que os homossexuais, também, entrem em contato com travestis ou gays que vão tentar a vida em outros países, ajudando, também, na composição do bajubá. Porém, algumas das palavras, também, são criadas sem nenhuma relação lingüística. Obtivemos alguns termos e expressões do bajubá vigente em Belém, para efeito de análise.


Além do bajubá, existe uma série de palavras e sufixos que, quando acrescentados em diversas expressões e/ou palavras, servem para rearranjá-las ou coloca-las no contexto próprio do bajubá. Serve de forma a quem estiver de “fora” não perceber o nível e/ou assunto da conversa. Como exemplo tem-se a palavra “estilo” que significa: fazer tipo (inicia-se uma conversa com a expressão para dar sustentação ao desenrolar da estória. Ex.: “Estilo mavélssime...”. Que quer dizer: “Fulana ali é nojenta...”). Expressão muito usada no MSN Messenger, mas com acréscimo da letra “w”, que neste caso acabaria por escrever-se “estilow” para dar a falsa impressão de estar falando com a outra pessoa, e também, para dar ênfase nos trejeitos do bajubá. Como exemplo, temos um quadro com os sufixos mais usados e outro com as expressões derivadas desses sufixos.


Esses termos ganham formas variadas, dependendo das permutações que são feitas nas expressões. Podendo, ora comunicar risco, ora comunicar algum acontecimento passado ou recente que possa interessar o ouvinte, ou não. De forma dialética as expressões são modificadas e reconstruídas, considerando, também, a identidade como um processo em curso, de maneira que para àquele que não possue conhecimento do  bajubá fica inviável “catar” alguma conversa. Criando espaço para um tipo de interação simbólica restrita somente aos homossexuais.  


CONSIDERAÇÕES FINAIS 

(...)

Os homossexuais são evidenciados a partir da relação indivíduo/grupo, uma vez que estes necessitam passar por rituais estruturados a partir do coletivo. As gírias ou bajubá foram analisadas neste trabalho como fator primordial na fundamentação do construto identitário homossexual, pois elas são usadas como  parte do elemento performático gay: incluindo o falante no universo totalizante dos gays.

Mesmo o bajubá sendo utilizado com maior freqüência pelo “mundo heterossexual”, que poderia ser entendido como uma  quebra na resistência, mas ainda percebemos a forma discriminatória e sarcástica com que grande parte dos homossexuais continua a ser tratados: por meio de piadas, de olhares e do uso do bajubá como forma de depreciar a imagem homossexual; que muitas vezes são humilhados por delas serem alvos. 

Reagindo a isso, os gays reinventam a linguagem cotidiana, interpolando gírias urbanas, e transformado-as de maneira dialógica com seus opositores: criando o bajubá, por exemplo. A utilidade que as gírias ganham é de extrema importância para o grupo, pois ao mesmo tempo em que separa e marginaliza os gays, em contrapartida cria uma ampla rede de sociabilidade, e porque não dizer de solidariedade.